Biografia de Mário Barreto França
Mário Barreto França (1909-1983)
Mário Barreto França
Nunca se cala a voz de um poeta, principalmente quando tem 16 livros publicados, alguns reeditados, e principalmente quando seus versos percorrem os lábios de declamadores nos lugares mais distantes do Brasil. E a voz de Mário Barreta França, não se calou.
Apresentando o então jovem poeta de 22 anos de idade, ao oferecer alguns poemas seus a O Jornal Batista, o Pastor C. Costa Duclerck, de Aracaju, a ele se referiu como “uma glória e uma promessa” e dele esperando que fosse “usado para a glória do Seu nome”. E Mário Barreto França o foi (O JB, 3, 12, 1931, pp 11 e 12).
O mesmo que o trouxe ao conhecimento do público batista brasileiro, elogiou lhe a naturalidade, simplicidade, harmonia perfeita de rimas, pureza técnica de metrificação e elevação de sentimentos cristãos, considerando-o um verdadeiro poeta culto e de vocação. E Mário Barreto França permaneceu fiel, como fiel lhe ficou um público imenso.
A obra de Mário Barreto França merece uma análise, de um ponto próprio, o da crítica literária, tarefa que não se executará aqui. Todavia, o mais importante é o fascínio que a sua poesia exerceu sobre nosso público durante meio século, resistindo às mudanças de estilo porque a sua poesia foi sempre a mesma.
Agora, aqui, interessa-nos oferecer um retrato de Mário Barreto França, pintado por ele mesmo.
Mário Barreto França nasceu no Recife, Pernambuco, no dia 14 de Fevereiro de 1909.
O CENTRO DA HISTÓRIA VIVA DOS BATISTAS BRASILEIROS foi ouvi-lo em sua casa, na praia do Icaraí, no final do semestre passado. Embora lúcido, desaparecera lhe o vigor físico, já debilitado pela enfermidade. Ouvimo-lo por 90 minutos, alguns difíceis, devido à emoção, outros ligeiros.
E ele começou por descrever a sua infância sofridíssima, principiada pela orfandade, e cuidada pela avó, “esposa do grande poeta e filósofo, Tobias Barreto de Menezes”, até os cinco anos de idade. Do Recife, Mário foi para o Acre, viver na companhia de um tio, que logo morreu também. De volta ao Recife, aos nove anos, foi morar com a tia.
Aí conheceu o Evangelho: “A minha tia, que me criou, era muito católica, e trouxe de Belém do Pará uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré, e ela ficava rezando para aquela imagem, pedindo uma solução para a sua vida, já que a gente começou a passar fome, porque não tínhamos recurso nenhum; então, ela teve um sonho. Sonhou que, quando estava rezando, apareceu-lhe a imagem, e lhe abriu o manto e lhe mostrou o Filho, Jesus. Então, ela quis uma interpretação; ela, que sempre proibia que cada um de nós, eu e um indiozinho que ela criava, passasse pela porta de uma igreja evangélica, quis a interpretação e pediu à vizinha. Essa vizinha disse:
_ Olhe, os “Nova Seita”, (como eram chamados os crentes no Recife, naquele tempo) parece que interpretam sonhos. E ela, então, foi procurar uma senhora viúva daquela igreja, e esta lhe disse:
_ Olha, nós não interpretamos sonhos, apenas eu vejo aí uma advertência à senhora que anda rezando tanto à Nossa Senhora de Nazaré; ela está dizendo para a Sra. ir procurar o seu Filho Jesus.
_ E minha tia, que era profundamente católica, que nos proibia de passar pela calçada da Igreja Evangélica, foi convidada a assistir a um culto naquela mesma noite. Era uma segunda-feira, e ali ela assistiu segunda, terça, quarta, quinta…
Na sexta-feira, quando o pastor fez o apelo, ela se apresentou. E ela, que nos proibia de pegar, pelo menos, no livro da capa preta, como chamava a Bíblia, voltou para casa sobraçando uma Bíblia, e eu, com o índio, estava jogando futebol de bola de meia, defronte da casa, uma casa muito humilde, iluminada por um lampião a gás. Eu perguntei a ela, assustado:
_ A Sra. com este livro? E ela disse: _ Por causa deste livro nós nunca mais passaremos fome.
No dia seguinte, ela recebeu um telegrama do Juizado de Menores, pedindo o seu comparecimento. (É que ela tinha movido uma ação em juízo, para ser a minha tutora, visto que o tutor recebia o dinheiro, uma pensão do meu pai, e gastava, não dava nada). Então, ela recebeu esta comunicação do Juizado de Menores, e compareceu comigo. Lá, recebeu a notícia agradável de que tivera ganhado a causa; iria ser a minha tutora, com a ordem de receber os atrasados, uma vez que quando ela moveu a questão, o juiz mandou sustar o pagamento de meu antigo tutor. Então, ela recebeu ordem de conseguir o dinheiro que estava guardado na Caixa Econômica. Na época, era menino ainda, não podia entender bem, mas depois vim a saber que o que ela tinha dito, era uma verdadeira profecia: “porque nunca mais passamos fome”.
A vida melhorou um pouco. Os três se mudaram para uma casa melhor, quando o Mário ficou doente. Um médico chegara a dizer que “o seu caso era perdido”, com poucas chances de sobrevivência, já que tinha uma inflamação nos pulmões. Ainda sem vínculo religioso qualquer, foi visitado por uma professora da Escola Bíblica Dominical, da Igreja do Feitosa. Mário condicionou sua ida à cura, o que ocorreu.
Sua conversão veio logo depois, em 1922: “Aí, nós nos mudamos para a Torre, bairro do Recife, onde encontrei o Dr. Salomão Ginsburg, naquele tempo, grande judeu errante, e ele fez uma série de conferências lá na Igreja. Ao fazer o apelo, eu me decidi. Tinha, então, 10 anos de idade, quando me decidi, na Igreja Batista da Torre, no Recife. Aliás, nesse dia se decidiu também José Lins de Albuquerque, batizado depois, a 12 de junho, junto com Mário. Esta não foi, porém, sua “conversão profunda”. Esta viria mais tarde.
Sob a tutela da tia, Calíope Barreto de Menezes, o filho do tenente José Eduardo França, morto aos 28 anos de idade, e de Filoneta Barreto França, morta aos 16 anos de idade, fez o Ginásio, primeiro em Recife, e depois em Aracaju, para onde sua tia fora a convite do governo de Sergipe. Dificuldades vencidas, Mário resolveu entrar para o Exército. Fez o concurso para a Escola de Sargentos da Infantaria e passou em primeiro lugar. Quase, porém, não pôde vir, o médico o achara “muito magro” e, portanto, incapaz de “suportar os exercícios”. No ano seguinte, fez novos exames, depois de apelar para o médico, e recebeu o consentimento. Pediu as “contas” numa casa de tecidos e veio para o Rio de Janeiro, onde não conhecia ninguém. “Chegando ao Rio num domingo de manhã, no cais, sentei-me em cima de uma mala, que trazia, e de um caixão de livros. Chega um português carregador, e pergunta para onde eu vou, e eu, sem saber, disse que não sabia. Ele fica cheio de complicações, e me leva para uma pensão. Deixei a mala e o caixão de livros na pensão, porque também o dinheiro que tinha era muito pouco, e desci para tomar café. Comprei um jornal, e ali, naquele jornal, vi o anúncio de culto evangélico na Primeira Igreja Batista. Era no domingo, e eu fui para o lugar indicado, na Praça 11. Ali fiquei nos últimos bancos, apreciando o culto, tomando parte nele, mas sem conhecer ninguém. Ao terminar, veio um rapaz e diz: _ Oh, Mário! Você por aqui? Era um antigo seminarista do Recife que, reconhecendo-me, convidou-me para ir para a casa dele.” Aí abrigado, na casa do amigo de cujo nome não se recorda, foi na segunda-feira apresentar-se à Escola de Sargentos de Infantaria. Soube, então, não ser possível sua matrícula agora, em abril, mas só em julho. Sem querer “ser pesado” na casa desse amigo, insistiu e acabou por ir ao comandante: “Eu disse que meu pai tinha sido oficial do Exército. Aí, ele faz uma pesquisa de memória, e se lembra que meu pai tinha sido colega dele, e diz, então, para o Tenente-secretário:
_ Olha, ele vai ficar porque é filho de um colega meu. E assim, eu fiquei na Escola de Sargentos, mesmo antes da época de matrícula”
Mário tinha 17 anos de idade quando chegou, e ao terminar o curso, foi classificado para Santa Maria da Boca do Monte, no Rio Grande do Sul. Aí, frequentou uma igreja metodista, na falta de uma batista. Ficou muito doente, e sua tia, vinda do Recife, pediu uma audiência ao Presidente Washington Luiz para solicitar sua transferência para o Rio de Janeiro. Bem sucedida, a tia, veio o sobrinho para o Rio de Janeiro (III Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha), um ano e meio depois, apenas. Sargento, defendeu a Constituição, participando de “mais ou menos” três batalhas, tudo por espírito de disciplina. Numa dessas batalhas se converteu verdadeiramente, como diz: “Houve então a Revolução de 30, e eu escrevia versos líricos na frente da batalha. Recebi ordem de ir até um determinado lugar, mas resolvi ir além e, ao sopé da montanha, alguns soldados feridos e um morto, e eu perguntei: _ Eu, que queria morrer, (porque eu estava com vontade de morrer mesmo) estava vivo, e aquele jovem, que queria viver, estava morto, e eu fiz assim a minha pergunta a Deus: _ Por que isto? Por que aquele jovem que queria viver, estava morto? E eu, que queria morrer, estava vivo? Então, senti que Deus precisava de mim, e ali eu escrevi meu primeiro poema evangélico”.
Nasceu aí “O ÚLTIMO COMBATE”, publicado no seu livro de estreia: “NO JARDIM DO SENHOR”, publicado pela Casa Publicadora Batista em 1934.
Dramática foi sua participação na Revolução de 1932. Tendo entrado na Escola de Intendentes, passou nos exames com mais 26, embora houvesse mais de 3 mil candidatos. Classificado para São Paulo foi servir na capital. Estourou a Revolução, da qual participou, e pela qual foi excluído do Exército: “Lutei porque estava cumprindo ordens. Terminada a Revolução, nós ficamos presos na Ilha das Flores, e eu fui excluído; eu com os outros colegas, mas depois, com aquele telegrama apresentado, fui reincluído”. (Sua reinclusão se deveu ao fato de o inquérito ter revelado que se apresentara mediante telegrama do então II Comandante da II Região Militar). “Como Sargento, teve que obedecer”.
Preso, solto e reintegrado, foi transferido, já casado, para Belém do Pará, tendo a família ficado por um ano e meio na casa do sogro, em Santos. Em Belém, onde conheceu Ophir de Barros, então dirigente da Primeira Igreja, que não tinha pastor, a II Guerra Mundial o flagrou. Teve vontade de ir, mas a guerra acabou antes.
Já Primeiro Tenente, voltou ao Rio, aonde chegou a Tenente-Coronel. Em 1965, passou para a Reserva, na patente de general. Sobre a carreira militar, fez o seguinte balanço: “Valeu a pena. Eu agradeço ao Exército tudo o que eu tenho, tudo o que eu sou; quer dizer, na parte da vida normal. Fui sempre bem sucedido, muito bem aceito, tanto da parte dos meus subordinados, como dos meus superiores, de forma que eu guardo do Exército a melhor lembrança”.
Pai feliz de sete filhos, “todos mais ou menos encaminhados”, passou por várias igrejas: Primeira de Aracaju, (Pastores Djalma Cunha e Coriolano Costa Duclerck”; Primeira do Rio (Pr. Francisco Fulgêncio Soren); Liberdade, “Djalma Cunha); Primeira de Santos (José Nigro); Primeira do Rio (João Filson Soren); Méier, José de Miranda Pinto; Icaraí, (Djalma Cunha); e Primeira de Niterói (Pastores Manoel Avelino de Souza e Nilson do Amaral Fanini), onde foi professor e superintendente da EBD, presidente da União de Mocidade, e dos quais recusou (de Djalma Cunha e Nilson A. Fanini, diretamente), convite para o diaconato, por achar a função “muito elevada” para si.
Com os quatro filhos, “o Barretinho e o Márcio” cantando, “o Marivaldo no violão, e o Marcos no acordeom”, formou o Conjunto Evangélico Icaraí, para o qual compunha os hinos, que devem ter chegado a 60. Muito conhecido, o conjunto viajou muito, num trabalho de natureza evangelizadora, e só acabou devido aos caminhos diversos que foram tomando os filhos.
Na poesia, porém, encontrou Mário Barreto França, o seu verdadeiro generalato cristão. Mas, de onde lhe veio este gosto, já que ao chegar ao Rio pela primeira vez trazia, além de livros didáticos, obras de Olavo Bilac e Olegário Mariano? Ele responde: “Eu acredito que devido a minha situação de órfão, eu me lembrava de que poderia ter uma mãe querida, um pai amoroso, e isso me fez com que eu começasse a pensar em escrever poesias, sentindo a necessidade de transmitir no verso aquilo que sentia”.
A Casa Publicadora Batista editou seu primeiro livro, pelas mãos do Pr. José Nigro. “Eu estava em Santos como instrutor do Trio 11, e mostrei os originais ao Pr. José Nigro. Ele gostou muito, e disse:.
_ “Olha, eu vou levar para a Casa Publicadora Batista, e ver se ela publica”. Veio, e, imediatamente, a Casa aceitou a publicação do livro; isso em 1934.
A receptividade, ao tempo em que Jônatas Braga e Stella Câmara Dubois dominavam, “foi muito grande.” E o autor, de 26 anos de idade, começou a sentir aquela sensação de ouvir as primeiras declamadoras dizer os seus versos, situação que o deixou muito satisfeito. “Então, a produção foi só aumentar, e eu escrevi esses 16 livros”.
Perguntado sobre a razão do seu sucesso, comenta o fato de “sua poesia ser cheia de sentimento e também por ser inspirada sempre em fatos reais, ou da Bíblia, ou da vida comum”. “Eu nunca escrevi a não ser a partir de casos conhecidos, inspirados na Bíblia, ou fora da Bíblia, o que era uma novidade no meio Batista, já que Jônatas Braga era sonetista, e Stella Câmara Dubois só publicou dois livros num intervalo de 20 anos”.
Literariamente, suas influências vieram de Guerra Junqueiro, Olavo Bilac, Olegário Mariano e, principalmente, Mendes Martins, “poeta pernambucano que gostava de escrever poemas assim, contando histórias e fatos”.
Sua inspiração sempre foi muito rápida. “Eu nunca passei mais do que uma noite para escrever um poema”. Dinheiro com a poesia ganhou muito pouco, sendo, porém, rico na “satisfação de escrever o livro e ver as poesias sendo declamadas e lidas”.
O livro que mais prazer lhe deu foi “Sob os Céus da Palestina”, e os poemas de que mais gostou foram “O Último Combate”, e “Moça, me dá uma Rosa”. Gostava muito também de “Quem Foi Que Me Beijou?”, sobre o qual narra dois episódios: o primeiro, ter ouvido do Pr. Fanini que, numa série de conferências na África do Sul “uma jovem pediu licença pra dizer uma poesia em português; ele permitiu, e era uma poesia minha. O segundo diz respeito ao título do poema. Manoel Avelino de Souza “estava comigo na Convenção em Santos, quando uma moça se levantou pra declamar, e apontou pra mim, e disse: _ Vou declamar uma poesia: Quem foi que me beijou? Aí o Avelino disse:
_ Mas, que negócio é este?
Por isto, eu mudei o título do poema. O poema passou a ser chamado “O Beijo da Redenção”.
Os poemas de Mário Barreto França ainda continuarão ilustrando nossos cultos por este Brasil afora, e o seu nome continuará lembrado também, sempre que se cantar:
“Cristo é a única esperança
Neste mundo tão hostil,
Para a santa liderança
Do Evangelho no Brasil”.
(Hino nº 581 do Cantor Cristão).
Mário Barreto França faleceu em Outubro de 1983.
Edição do Jornal Batista
“Publicado originalmente em “O Jornal Batista” 30-10-83. Pg. 6”
(Digitado por Milzede Barros) – Usado com permissão
Fotografia extraída de: “O Jornal Batista” (http://www.batistas.com/o-jornal-batista).
(1909-1983)