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Estudo 6 
UMA SEGURANÇA E DUAS ORDENANÇAS
As doutrinas da salvação, do batismo e da ceia do Senhor'.
A SEGURANÇA ETERNA DOS SALVOS
Esta é outra herança teológica preciosa dos batistas. A Declaração Doutri­nária da Convenção Batista Brasileira, ao falar sobre a doutrina da salvação, traz esta afirmação. "O preço da redenção eterna do crente foi pago de uma vez por Jesus Cristo, pelo derramamento do seu sangue na cruz". Chamo a sua atenção para as expressóes "redenção eterna", "pago de uma vez" e "pelo derramamento de seu sangue na cruz". A salvação é eterna. Não é temporária nem parcial. O assunto foi resolvido de uma vez por todas na cruz. Cristo não pagou cotas e deixou outras para nós. Pagou tudo, de uma vez. Não foi parcialmente. O autor de Hebreus mostra que seu sacrifício foi único, irrepetível e perfeito. E o preço pago por ele foi seu próprio sangue. É importante ressaltar uma coisa: no processo da salvação, não somos o agente, mas Jesus Cristo o é. E sua obra é perfeita. A salvação não depende de nós, mas dele. Ele não rejeita o pecador que vem a ele, nem se arrepende de nos ter salvado.
"Mas conheci muita gente que esteve na igreja e hoje está exduidal", é o argumento sempre ouvido nestes casos. A antiga Confissão de Fé, substituída pela Declaração Doutrinária, trazia o item XI, "Da Perseverança dos Santos". Nele se diz: "Cremos que só são crentes verdadeiros aqueles que perseveram até o fim; que a sua ligação perseverante com Cristo é o grande sinal que os distingue dos que professam superficialmente". A característica marcante de um verdadeiro salvo é que ele persevera na fé. Cabem aqui as palavras de IJoão 219: "Saíram dentre nós, mas não eram dos nossos; porque, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; mas todos eles saíram para que se manifestasse que nao são dos nossos".
Isto é realmente tão relevante assim? Sem pestanejar, respondo que sim. Porque o evangelho fala de salvação Ela é obra exclusiva de Jesus Cristo. Nós não a produzimos. Nós a aceitamos. A qualidade da nossa salvação está relacionada com o caráter do nosso Salvador. Ela não depende de nossos esforços. Quando se pensa na possibilidade da perda da salvação, assume-se que há esforços humanos que podem derrubar o que Cristo fez. E coloca-se a salvação como algo que podemos ter ou deixar de ter com base no que fizemos ou deixamos de fazer. Ela não é mais obra da graça. Nem sua eficácia e sua durabilidade. E esta concepção batista torna a Igreja uma instituição que, espiritualmente, está segura para sempre, pela sua fé em Cristo. Ela não é clube onde a pessoa entra e sai. Ela é face visível do reino invisível, a ponta do iceberg. Envolver-se com a igreja local, sendo-se regenerado, é estar na Igreja Militante, a Universal.
E há muita coerência batista quando se analisa esta doutrina junto com a do batismo apenas para regenerados. Não há como alguém realmente batizado vir a se desviar. Se a pessoa foi regenerada pelo poder do Espírito Santo e foi batizada, então está segura. Isto nos recorda que o batismo não é para simpa­tizantes do evangelho, mas para regenerados pelo evangelho. Temos batizado muita gente que é apenas simpatizante do evangelho e esses, um dia, não sendo convertidos, correm o risco de ir embora. Mas quando se tem certeza de que o batizado, que se torna membro da igreja, é um regenerado, este permanecerá na fé. Se a pessoa morreu para vida anterior, como pode voltar a viver nela? E é também, para nós, a garantia de que a verdadeira igreja estará preservada, pois será sempre de regenerados. Ao mesmo tempo, é uma advertência para quem se chega a uma igreja batista: está assumindo um compromisso para sempre. Ser membro de uma igreja batista é um sinal, uma declaração, de conversão a Jesus Cristo e a expressão do desejo de se unir ao seu povo. Ao mesmo tempo é uma declaração de que se está assumindo um compromisso com Cristo e o seu evangelho para sempre. A identidade de um batista é forte, aqui: ele é um salvo e salvo para sempre e por completo.
BATISMO E CEIA COMO ORDENANÇAS E NÃO COMO SACRAMENTOS
Sacramento é o ato religioso que santifica ou confere graça a quem o recebe. Ordenança é o reconhecimento de que uma determinada ordem foi atribuída a alguém. Há uma diferença muito grande entre os dois. Parece que a idéia do batismo e da ceia do Senhor como sacramentos se deu por volta do quarto século. Eles necessitam, por serem ritos mágicos, uma classe especial de pessoas. Por isso, com o sacramento veio logo o surgimento de um clero. Para a Igreja Católica, os sacramentos são sete: batismo, confirmação, eucaristia, penitência, extrema-unção, ordem e matrimônio. São elementos que conferem graças.
Os batistas entendemos que Jesus deixou duas celebrações para sua Igreja e que as igrejas devem observar: o batismo e a ceia. Nunca os vimos como veículos transmissores de graça, mas como atos de celebração da fé. O batismo celebra e testemunha nossa conversão a Cristo e proclawa a nossa disposição de uma vida com ele. A ceia celebra a morte vicária de Cristo e anuncia sua volta. Alguns outros pequenos grupos batistas adotam, ainda o lava-pés. Mas dispenso-me de abordar isto por ser algo pouco expressivo.
Sobre o batismo já se falou um pouco, anteriormente. Abordamo-lo aqui apenas pelo ângulo de não ser um sacramento. Detenhamo-nos, então, um pouco, na ceia. A postura católica é a da transubstanciação, evento em que o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo. Isso se dá quando do ofertório, na missa, quando o padre oferece os elementos a Deus. Eles são transformados. Aliás, por favor, não chame o momento de dízimos e ofertas na sua igreja de "ofertório". A não ser que haja lá algum padre que esteja transformando os elementos no corpo e sangue de Cristo. Os batistas não temos "ofertório". Temos "devolução dos dízimos". Uso o termo "de­volução" porque dízimo não se paga nem mesmo se dá. Devolve-se. Não é nosso, é de Deus e veio à nossa mão por algum momento. Lutero adotou a prática da consubstanciação. Segundo ele, o pão e o vinho não se transformam no corpo e sangue de Cristo, mas Cristo está com a substância. Zuwínglio defendia a presença espiritual de Cristo quando da celebração da ceia. Os batistas não aceitamos nenhuma destas posições. Entendemos ser um memo­rial. Baseamo-nos nas palavras de Jesus: "fazei isto em memória de mim". Batismo e ceia não conferem graças, mas testemunham de nossa fé. Por isso que não chamamos a ceia de "santa ceia". Não chamamos o batismo de "santo batismo". É que o valor da cerimônia não está na sua possível santidade, mas na sua significação.
Dirá alguém que está farto de saber isto. Mas é preciso que reafirmemos nossa posição anti-sacramentalista, porque vemos hoje o regresso desta prática, devidamente metamorfoseada pelo neopentecostalismo, no meio das igrejas evangélicas. O cenário evangélico atual apresenta um cenário onde elemen­tos mágicos e sagrados se fazem presentes. Tenho visto igrejas distribuindo sal do mar Morto para "abrir caminho", azeite declarado como vindo do monte das Oliveiras sendo usado para ungir as pessoas (há alguma usina de beneficiamento de azeitonas lá?) e até crucifixos feitos da cruz de Jesus. Vai se generalizando a prática de beber água de um copo devidamente benzido pela oração do pastor. Algo tão supersticioso como a água benta do padre. A alegação que ouvi, de um crente batista, é que ele se sentiu bem depois de beber daquela água. É a figura sacramental: o sentimentalismo e a sensação ocupam o lugar do ensino bíblico. Há um fetichismo em nosso meio com terra santa, areia santa, água santa, sal santo, folha de oliveira santa etc. No cristianismo as pessoas são santas, mas as coisas não. No cristianismo não há lugares e objetos santos. Nem mesmo o prédio onde a igreja se reúne é santuário, no rigor do termo. O prédio onde a Igreja se reúne e que alguns chamam, na linguagem do Antigo Testamento, de "santuário", não é santuário nem morada de Deus. É salão de cultos. O Eterno não mora em prédios, mas em pessoas. Elas é que são o santuário (At 17.24, 1Co 3.16, 6.19 e Hb 3.6). Isto não é dessacralizar o evangelho, mas dar-lhe uma dimensão muito mais profunda. Colocando em palavras mais simples, esta compreensão faz surgir aquilo que Tillich declara ser o reconhecimento do universo como templo de adoração. Aonde quer que vamos, aí estará o lugar de culto. Esta visão sacramental tem reduzido o evangelho a algo que acontece num determinado dia, num determinado local, com determinados símbolos, sob o comando de• determinadas pessoas. Sobre este último aspecto falarei no próximo estudo quando abordar a questão do sacerdócio universal de todos os salvos, que se opõe ao crescente sacerdotalismo que se verifica em nosso tempo.
A consideração de objetos como se fossem sagrados leva à santificação deles. Daí para a idolatria e sua irmã gêmea, a superstição, o passo a ser dado é pequeno. Por isso precisamos reafirmar: não temos sacramentos e repudiamos a espiritualização de símbolos e de gestos. O transmissor de graça é o Espírito Santo. Ele habita em nós, se somos convertidos. Se alguém não é, pode se afogar nas águas do Jordão, ficar com barriga d'água de tanto beber água ungida pela oração do pastor, que isso não adiantará nada. A fé deve ser posta em Deus e não em coisas nem em gestos nem em ritos. Um batista que preze sua identidade nunca se envolverá com fetichismo do neo-sacramentalismo pentecostal.

Isaltino Gomes Coelho Filho, pastor batista e escritor.