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Estudo 8 
DEMOCRACIA INTERNA E EXTERNA
A autonomia da igreja local e a separação entre igreja e estado
A AUTONOMIA DA IGREJA LOCAL
Este é outro princípio batista inegociável. E é onde devo contextualizar um pouco mais porque temos problemas sérios nesta área. Surpreende-me, hoje, ler em jornais de procedência de instituições batistas artigos contra a autonomia das igrejas locais e até mesmo alguns lamentos de muitos por termos esta doutrina. Entendo que vivemos um tempo bem diferente do vivido há 20 anos. As estruturas denominacionais passam por um processo de desgaste junto às igrejas. Sua imagem está afetada. Isto é conseqüência até mesmo de um dado cultural, a pós-modernidade, momento social em que vivemos e em que as estruturas são questionadas e deixadas de lado, e o individualismo é cada vez mais acentuado. Para piorar, em algumas de nossas instituições denominacionais houve má gerência, e a repercussão disto atingiu as demais. Em outras, aconteceu certo açodamento de pessoas que confundiram as coisas e conseguiram, com suas atitudes, criar uma postura refratária por parte das igrejas. Zelosas pelo seu trabalho, algumas pessoas começaram a pressionar as igrejas e a reclamar das não coloboradoras, muitas vezes insinuando não serem batistas ou serem desengajadas da doutrina batista por não contribu­írem financeiramente para a instituição. Em outras vezes, a luta por poder, nos bastidores, em nada difere da luta que se vê no mundo. Esta confusão, para mim, se deu porque se ignorou o fato de que a estrutura é serva das igrejas e existe em função delas e não o oposto. Nem mesmo chamo nossas instituições de denominação porque denominação, no meu entendimento, são as igrejas e as doutrinas que elas sustentam. Chamo de estrutura e as vejo como pára-eclesiásticas, ou seja, elas existem para caminharem ao lado das igrejas. Por isso, entendo que as estruturas precisam rever seus métodos e seu discurso. Não devem cobrar das igrejas, mas mostrar sua competência, sua administração com lisura, e como estão levando a obra das igrejas à frente. Parece-me surrealista que alguns vejam as igrejas como adversárias da deno­minação. Elas são a denominação!
Não é segredo que as igrejas têm diminuído sua colaboração para a estru­tura, tanto em finanças como em envolvimento. Os alvos missionários não têm sido alcançados. Isto cria uma ansiedade por parte de quem gerencia um programa, pois precisa de recursos. Por isso, vez por outra se lêem artigos em que alguém reclama da autonomia da igreja local e critica as que não estão cerrando fileiras com a estrutura. Seria bom fazer com que as igrejas todas assumissem o programa da estrutura e bem como os ônus decorrentes da funcionalização do programa.
Aliás, mais que surpreender-me, choca-me ver tais artigos defendendo restrição à autonomia das igrejas. Creio que isto não melhorará as coisas, mas que as piorará. Afastará mais igrejas, ainda. Tentar enquadrar as igrejas é militar contra toda uma história quatrocentã. E não existe autonomia relativa. Ou há ou não há. Elas são autônomas, cem por cento autônomas. Quero citar um trecho de um líder batista insuspeito, José dos Reis Pereira. Poucos batistas foram tão engajados na obra como ele. Certa vez, em uma carta, ele me disse que estava com 24 atribuições denominacionais. Reis Pereira foi uma vela que se gastou dos dois lados. Eis seu texto: "Os Batistas Gerais decaíram à proporção em que uma forte tendência centralizadora triunfava entre eles. Vitoriosa essa tendência a autonomia das igrejas locais foi sacrificada. E é um outro princípio batista, esse da autonomia da igreja local" (Breve História dos Batistas, p. 81). Centralizar o poder ou as decisões e fortalecer o centro não melhorará a situação. Reis mostra que a história já provou isso. Deve-se fortalecer e melhorar a base, que são as igrejas. Se estas forem fortes e sadias, a denominação será fone e sadia.
Associações, convenções, juntas e assemelhados existem para servir à igreja local Estas não são apenas pagadoras das contas, mas devem ser senhoras do processo denominacional. Isto deve ser reafirmado porque, se anos sessentas e setentas o modelo pentecostal foi nosso grande problema, nos anos noventas e nesta primeira década, nosso problema parece ser o modelo presbiteriano.
Não se deve nem se pode negar a autonomia da igreja local, até mesmo porque o Novo Testamento só mostra uma instituição, que é ela, e desconhece todas as que criamos. O que criamos não é antibíblico, mas é abíblico. Não é errado, mas existe para funcionalizar e vitalizar a igreja local. O que devemos fazer é mostrar que as igrejas do Novo Testamento viviam em mutualidade, que se ajudavam, como Paulo mostra em suas cartas. Autonomia e mutualidade não são antônimos. Mostremos que as igrejas se engajavam em projetos comuns, mas tudo partia delas. Até mesmo o envio de missionários. Os missionários eram enviados pelas igrejas e eram missionários das igrejas e nunca enviados por uma instituição. Sei que os tempos são outros, as circunstâncias culturais são outras, mas me parece que muitas vezes olhamos pelo lado errado do binóculo. A pedra de toque do processo batista é a igreja local. Neste sentido, somos congregacionais desde nossa origem: o governo pertence à congregação local e ela não está sujeita a nenhum outra instância. E cooperação, sim. Mas sacrifício ou abandono da autonomia da igreja local, nunca!
A grandeza desta doutrina nos permite declarar que a maior e mais rica igreja batista vale tanto quanto a menor e mais pobre. E o que se faz em nome dos batistas precisa do aval moral das igrejas para ter credibilidade entre elas. Não se trata apenas de autonomia da igreja local, mas de sua soberania. As estruturas precisam compatibilizar-se com as igrejas. Até mesmo por um fator muito simples: precisam delas para sobreviver.
A SEPARAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO
Este item amplia a liberdade da Igreja. Não é apenas a questão de que ela não está subordinada ao Estado, mas que ela e o Estado têm esferas diferentes. A Igreja é cidadã deste mundo e sujeita-se a leis de justiça e de bom senso. Mas deve exclamar como os apóstolos, em Atos 4.19: "Mas Pedro e João, respondendo, lhes disseram. Julgai vós se é justo diante de Deus ouvir-nos antes a vós do que a Deus". A lealdade última da Igreja é para com Deus e sua Palavra. Sua pátria mais amada é a celestial. O Estado também está sob a lei da justiça divina. No Antigo Testamento, Iahweh escolheu Israel, mas é Senhor de todas as nações e toda a terra. Devemos nos lembrar disto.
Na Escandinávia, os pastores luteranos são pagos pelo Estado. No Brasil, constantemente, verbas públicas são usadas para recuperar igrejas católicas, consideradas como patrimônio arquitetônico ou cultural. Mas são lugares de cultos. Isto é contra nosso princípio de um Estado leigo, que não deve investir em nenhuma religião nem beneficiar nenhum culto.
Diferentemente de grupos anabatistas e outros radicais do século XVI, os batistas nunca questionaram o Estado por ser Estado. Mas também não podemos divinizá-lo. Lembremos que a luta do Apocalipse mostra o Cordeiro contra um Estado que deseja ser Deus. Nosso coMpromisso é com a justiça, com a honestidade e com a dignidade humana. Podemos nos rejubilar de termos em nossa história um Prêmio Nobel da Paz, o Pr. Martin Luther King Jr, assim agraciado pela sua luta pelos direitos dos negros norte-americanos. Mas, quando a turma de formandos do Seminário do Sul, em 1968, o tomou como seu paraninfo, alguns dos missionários americanos que lecionavam no Seminário, bem como parte da cúpula batista brasileira, ficaram indignados com os alunos. Estavam muito sintonizados com o regime militar e achavam que Ming era um comunista, um agitador. Que miopia! Que perda de senso de história!
Uma igreja batista não é da direita nem da esquerda nem mesmo do centro. É de cima. Seus valores são espirituais e celestiais. Uma igreja batista faz parte da Igreja de Cristo, que é multi-racial, multi-étnica, multigeográfica. Um cristão batista brasileiro é antes de tudo um cidadão do reino do céu. E os princípios do reino celestial são os que devem subordinar a sua vida.
Deus não é brasileiro e nem tem nacionalidade alguma. Devemos ser patriotas, mas devemos discordar do Estado quando este invade área que não é sua. Isto também nos é uma advertência: somos cidadãos como to­dos os demais e não devemos esperar tratamento especial. Inquieta-me ver igrejas batistas pedindo ônibus à prefeituras e órgãos públicos para fazerem piqueniques. Se não têm dinheiro para alugar um ônibus, que não andem de ônibus! Vão a pé ou não façam piquenique! Se nos incomoda ver dinheiro público sendo usado para levantar estátuas a Iemanjá em cidades da orla marítima, deveria nos incomodar também o uso de dinheiro público para monumentos à Bíblia. O poder civil não pode patrocinar nenhuma religião! Nem a nossa!
Nunca fomos subversivos. Mas não podemos ser coniventes com um Estado desumano, corrupto, desvalorizador do homem. Nosso norte são os valores da Palavra de Deus. Olhamos para eles e seguimos nossa jornada. O que se desvia deles, isso recriminamos. Não é se nos beneficia, mas se é um princípio bíblico.
Pagamos impostos, servimos ao exército, damos nossa parcela para este país. Mas não o sacralizamos nem o deificamos. O culto ao Estado
produziu a aberração chamada "Cristãos Alemães", que queria uma igreja germânica, de raça pura. Mas não admitimos a ingerência do Estado em nossa vida. Nem transigimos nossos padrões por causa do Estado. As casas de prostituição pagam taxas e são estabelecidas legalmente, mas a prostituição é pecado. O que é legal nem sempre é moral. O casamento de homossexuais pode ser tolerado civilmente, mas é pecado. Uma igreja batista deve dizer como Lutero: que sua consciência é cativa da Palavra de Deus.
A identidade batista parte daqui: nossas igrejas não se cevam às custas do Estado, não lhe pedem dinheiro nem benesses, não o apóiam em busca de favores. Eventualmente, podemos ter a mesma linha de um determi­nado político ou de um partido. Será o que Francis Schaeffer chama de "co-beligerância". Mas nunca seremos subordinados nem sustentadores do poder civil.
CONCLUSÃO

Terminei a listagem e comentários dos princípios batistas que me parecem os pilares de nossa postura. Podem ser óbvios, mas assumi-los ou negá-los trazem desdobramentos, que também procurei aqui mostrar. A questão mais importante me parece seresta, temos um passado nobre. Não surgimos de um racha por causa de liderança, de voracidade por dinheiro ou por esquisitice. Surgimos ao redor de princípios. Que nossos ancestrais sustentaram por séculos. Muitos deram suas vidas por eles. Hoje, observa-los parece fácil. Mas nem sempre o fazemos. Por conveniência, porque nos atrapalham, porque impedem alguns planos nossos. Mas são princípios batistas que formam nossa identidade. Que nunca os abandonemos e que nunca percamos essa identidade.