..........
Estudo 7
SOMOS TODOS MINISTROS DE DEUS
A doutrina do sacerdócio universal de todos os
salvos
Desde o
início, os batistas partilharam com os vários grupos insatisfeitos com o
protestantismo e com os separatistas, que eram os insatisfeitos da Igreja da
Inglaterra, a rejeição de um clero. Isto é o que se chama "a doutrina do
sacerdócio universal de todos os salvos". Num certo sentido, não temos
sacerdotes entre nós. Isto no sentido de alguém com mais acesso a Deus do que
os demais. Em outro sentido, todos nós somos sacerdotes porque todos nós temos
acesso a Deus, sem necessidade um mediador humano.
O pastor
não é um sacerdote. Sua oração tem tanto valor, aos olhos de Deus, como a
oração do zelador da igreja, desde que este seja crente. A oração do crente é
ouvida por causa da graça de Deus, da mediação de Jesus e da intercessão que o
Espírito faz por nós, junto à Trindade. A identidade batista é fortemente
marcada por esta concepção teológica: o sacerdócio universal de todos os
salvos, em conseqüência do livre acesso que todos nós temos à presença divina.
Não precisamos da corrente de 318 homens e mulheres de Deus para sermos
abençoados. Podemos ser abençoados porque Deus tem prazer em dar coisas boas a
seus filhos e as dará aos que lhe pedirem. Há critérios para isso e o Novo
Testamento os explicita. Mas a responsabilidade não é de um clero. É da igreja
como um todo.
NEM CLERO
NEM LAICATO SOMOS TODOS MINISTROS DE DEUS
No
entanto, esta doutrina tão valiosa está sendo diluída em nosso meio. Isto está
sucedendo por causa do entendimento cada vez mais forte, de que temos um clero
e um laicato. Preocupa-me ver, cada vez mais, as igrejas terem ministros
formados e assalariados para tudo, como se fosse esta a única maneira de prover
liderança para as comunidades eclesiásticas. Acho correto termos ministros de
música, de educação religiosa, de juventude, de missões etc., em nossas
igrejas. Milito na educação ministerial, fui presidente da ABIBET (Associação
Brasileira de Instituições Batistas de Ensino Teológico) por seis anos, e não
poderia pensar de outra maneira. Mas me receio que com isso se diga ao nosso
povo que só as pessoas que são formadas em seminários e que sejam devidamente
remuneradas podem fazer a obra de Deus. Isto pode trazer uma mentalidade
daninha: os ministros fazem o trabalho e os crentes pagam a conta. A incidência
do uso do termo "leigo" para os não consagrados aos ministérios é
reveladora disto. É um uso inexato. Todos nós somos ministros, pois todos somos
servos. E todos somos leigos, porque todos somos povo (é este o sentido da
palavra "leigo", alguém do povo). Não temos clero nem laicato, como
batistas. Somos todos ministros e somos todos povo. Mas isto tem sido
esquecido, porque, cada vez mais, as bases ministeriais são buscadas no Antigo
Testamento e não no Novo. Usamos os termos do Novo com a conotação do Antigo.
Aliás, muita gente anda pregando o Antigo Testamento sem analisá-lo pelo Novo
Testamento. Mas com esta visão, o pastor do Novo Testamento passa a ter a
conotação do sacerdote do Antigo Testamento. É o "ungido", o detentor
de uma relação especial com Deus que os outros não têm. Só ele pode realizar
certos atos litúrgicos, como se fosse o sacerdote do Antigo Testamento. Por
exemplo, batismo e ceia só podem ser celebrados por ele. Assumimos isto como
postura, mas não é uma exigência bíblica. Convencionamos isto. No meio
carismático isto é mais forte. Os pastores tornam a igreja dependente deles. Só
eles têm a oração poderosa, a corrente de libertação só pode ser feita por eles
e na igreja, só eles quebram as maldições etc. O sentido teológico do sacerdote
hebreu parece permear fortemente o sentido teológico do pastor
neotestamentário. Este conceito convém ao pastor neopentecostal. Ele se torna um
homem acima dos outros, incontestável, líder que deve ser acatado. Tem uma
autoridade espiritual que os outros não têm. Ele tem uma linha vermelha com
Deus. Ora, se há algo que aprendemos sobre a liderança nos dois Testamentos, é
que o Antigo elitiza a liderança e o Novo a democratiza. Para o neopentecostal,
o Novo Testamento, a mensagem da graça e a eclesiologia simples, despida de
objetos, palavras e gestual sagrados não são interessantes. Assim, ele se
refugia no Antigo Testamento. Por isso há igrejas evangélicas com castiçais de
sete braços e estrelas de Davi no lugar da cruz, outras desfraldando a bandeira
de Israel (e envergonhando-se da brasileira), guardando festas judaicas, e até
mesmo tendo incensários em seus salões de cultos. Há evangélicos que parecem
frustrados por não serem judeus. A liturgia pomposa do judaísmo é mais atraente
e permite mais manobra ao líder que se póe acima dos outros. E com isso, os
membros da igreja são os ajudantes do obreiro.
Em
Portugal, um diácono, conversando comigo, queixou-se da mentalidade católica
infiltrada nas igrejas batistas. O pastor era um sacerdote e os diáconos, seus
coroinhas. No meio neopentecostal, parece que o pastor é um executivo
espiritual e os membros, os pagadores de contas. Lutero tentou apagar o
conceito católico de que a Veja era a liderança, o clero. Para ele, igreja era
o povo e não a instituição, representado por seu clero. Ele não gostava da
palavra ldrche para igreja, porque enfatizava a instituição. Preferia gemeinde,
que dá a idéia de comunidade. Ele queria a ênfase no povo. O povo é a Igreja e
o povo é sacerdote.
A
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO A DEUS
Isto
significa que a obra é de todos e que não podemos ter gurus iluminados em nosso
meio. Não há pessoas credenciadas para terem mais acesso a Deus, em detrimento
de outras. Não há sangue azul espiritual nem urna plebe espiritual. Deus trata
seus filhos por igual, por causa da pessoa de Jesus Cristo. Deus chamou Abraão
de "meu amigo". Mas Jesus disse que seremos seus amigos se fizermos o
que ele nos manda. Não restringiu, mas ampliou.
Não temos
entre nós uma pessoa que tem revelações especiais de Deus. A revelação de Deus
está na sua Palavra, a Bíblia. Qualquer crente sincero, iluminado pelo
Espírito Santo, pode compreender seus ensinos. Pode não penetrar nas sutilezas
teológicas ou textuais originais, mas compreende a essência.
O que
quero dizer pode ser resumido no expediente de um boletim de uma igreja batista
conservadora dos Estados Unidos. Lá constava: "Ministros da Igreja: todos
os crentes. Auxiliar dos ministros: o Pastor da Igreja". Deus não deu a
tarefa de fazer a obra aos pastores, a não ser a tarefa de serem pastores. A
tarefa de fazer a obra foi dada à Igreja como um todo. E o Espírito foi dado a
todos e não apenas aos pastores.
Isaltino Gomes Coelho Filho, pastor batista e
escritor.