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Estudo 4
OS BATISTAS E SUA RELAÇÃO COM A BÍBLIA
A autoridade das Escrituras corno sólido fundamento
de identidade dos batistas
O que é
ser batista? "Qual batista?". O que este nome nos sugere? Os grupos
que se definem como batistas são bastante variados. No Amazonas, por exemplo,
tem os "Batistas da Fé". Gente séria, muito trabalhadora, até mesmo
bem preparada teologicamente, mas que não admitia liderança feminina nem mesmo
estimulava que mulheres orassem em público Entre os batistas canadenses quem
faz a recomendação ao Seminário é a Convenção e não a igreja local. E é a
Convenção que também consagra ao ministério pastoral. Em Cuba, as mulheres
pastoras são uma realidade há mais de 20 anos. Alguns batistas chineses, até
mesmo por sua cultura centrada nos anciãos, são de tendência presbiteriana,
sendo a congregação local chamada apenas para decidir casos especiais. Temos
vários grupos batistas, cada um com particularidades que não pertencem a
outros, e alguns deles, muitas vezes, não considerando os outros como batistas
por causas destas particularidades. Por causa do varejo, rejeitam o atacado.
Em
Roraima, os batistas regulares iniciaram o trabalho batista no tempo em que a
região ainda era Território Federal Eles têm a Igreja Batista Central, que é a
pioneira. Chegamos dez anos depois e abrimos a Primeira Igreja Batista, quando
eles já tinham duas O que caracteriza, então, a identidade batista? Aqui mesmo,
entre nós, teremos muitas práticas eclesiológicas diferentes. Alguns serão a
favor da ceia restrita e outros não. Alguns rebatizarão pessoas de outros
grupos imersionistas e outros não. Os modelos eclesiológicos são cada vez mais
numerosos. O que é identidade batista, então?
REMONTANDO
A ORIGEM
Os
batistas existiam antes de nós. Nós, que aqui estamos, não fundamos o
movimento. Os batistas também já existiam antes da Convenção Batista Brasileira.
Nossa linha deve ser esta: o que direcionou os primeiros batistas? Por que eles
surgiram? Vamos examinar os pontos principais balizadores dos batistas Eles
serão nossa linha por onde andar. E mostrarão alguma coisa de nossa identidade.
Pelo que pude examinar de nossa história são oito os pontos principais, dentre
vários. São eles: a autoridade da Escrituras, a liberdade de opinião, o batismo
consciente de crentes, a segurança eterna dos salvos, batismo e ceia como
ordenanças e não sacramentos, o sacerdócio universal de todos os crentes, a
autonomia da igreja local com governo congregacional, a separação entre Igreja
e Estado.
Estas
características são encontradas no início de nossa história, no início do
século XVII, como vistas na insatisfação de muitos cristãos da época com a
Igreja Anglicana. Nesta encontravam-se dois grupos mais numerosos, dentre
outros, os puritanos e os separatistas. Foi daqui, dos separatistas, que
surgiram os primeiros líderes batistas, John Smyth e Thomas Helwys. Isto é
história. Tentar ajustar os batistas aos valdenses, albigenses,
pretrobrussianos, cátaros, anabatistas e outros insatisfeitos com a Igreja
Romana, ao longo da história, é perigoso. É mais romance que história. E uma
tentativa de dourar a história para tornar nosso passado mais remoto e
comovente não é honestidade intelectual. Nós não precisamos disso. A
veracidadade da doutrina batista não depende de identificação com a igreja de
Jerusalém. Depende de sua confrontação com o Novo Testamento. Disse-me o Pr.
Irland Pereira de Azevedo que, conversando com um cônego católico que fizera
seu doutorado em História Eclesiástica, em Roma, este lhe disse que tendo
examinado os vários grupos evangélicos viu que os batistas eram os mais
próximos ao Novo Testamento. Um belo testemunho de fora.
Alguém
achará que estes pontos são genéricos. Posso responder que o ensino de Jesus e
a Bíblia são genéricos, a ponto de permitir que grupos como Testemunhas de
Jeová e Mórmons se digam cristãos. Nós é que particularizamos e criamos
minúcias. Mas estes pontos são nossas características maiores e deles derivam
algumas posturas doutrinárias. A observância ou não destes pontos é responsável
por erros que aparecem com roupagem diferente em nosso tempo. Eles se ampliam
em outros aspectos. Vamos considerá-los, portanto.
A
AUTORIDADE DAS ESCRITURAS
Todo
grupo herético diz crer na Bíblia como Palavra de Deus e como única regra de fé
e prática. Depois, estabelece suas normas com base nas suas tradições
eclesiásticas ou visão de fundadores ou líderes mais proeminentes (ou mais
falantes, com domínio de discussão).
Neste
ponto seguimos o princípio de Lutero de Sola Scriptura. Lutero rejeitou que a
Tradição e o Magistério da Igreja fossem elementos que regessem a teologia da
Igreja. Para nós fica uma advertência. Temos muito de tradição e de magistério
como formadores de nossa teologia. Isso acontece quando particularizamos e
definimos o que a Bíblia não define e fechamos questão, rejeitando qualquer
outra prática diferente da nossa como válida.
Temos uma
Declaração Doutrinária, como Convenção Batista Brasileira que somos. Um
documento que me parece muito bom e dentro do qual me situo sem problemas. Mas
ele é um documento indicativo e não normativo. Ou seja, ele indica o que cremos
e não é uma norma para nós. Nossa normativa são as Escrituras e nenhum outro
documento. Se isto parece óbvio, desejo fazer três observações aqui. Uma
refere-se à pressão do sucesso. A segunda, à pressão do líder mais expressivo.
A terceira, à nova hermenêutica. São elementos que militam contra a
normatividade das Escrituras.
A pressão
do sucesso é a aquela que sucede porque um determinado método está dando
resultado em algum lugar e com isso se torna quase que um padrão. Um método é
um caminho para se chegar a um alvo. Mas temos visto a sacralização de
métodos. Alguém consegue encher a igreja com um método e logo começa ter
seguidores, e passa a realizar congressos para exportar seu método. Há métodos
que funcionam num lugar e em outros, não. Muitos métodos não interferem em
doutrina. São apenas um jeito de fazer as coisas funcionarem. Mas há métodos
que implicam em doutrina: a adoção de uma pregação da teologia da prosperidade,
a centralização de poder nas mãos dos clérigos da igreja, o uso da cura divina
e de instrumentos sagrados como chamariz, por exemplo. Muitas vezes se abandona
a posição histórica dos batistas quanto às Escrituras porque se adotam métodos
para funcionar e alguns desse métodos são importados de outros contextos
doutrinários e exigem aqueles postulados doutrinários, de onde vieram, para se
viabilizarem. Todo método e qualquer sistema que sacrifique a soberania das
Escrituras como padrão aferidor de nossa conduta é uma quebra de nossa
identidade. Isto aparece até mesmo em questões bem simples. Pela nossa visão
das Escrituras, o ensino da Bíblia sempre foi central em nosso meio. Muitas
igrejas tinham versículos bíblicos pintados nas paredes e uma Bíblia insculpida
na sua frente. Hoje o símbolo distintivo de muitas igrejas não é a Bíblia, mas
a caixa de som. Quem dirige o culto não é o pastor, é a equipe de louvor. Nada
aqui contra o louvor, mas uma advertência: quando o ensino da Bíblia se torna
secundário a ponto de muitas vezes ter que se encurtar o sermão porque o
programa foi muito extenso, estamos diante de uma dificuldade, Os batistas
sempre foram o povo o da Bíblia. Não sei se ainda são. Mas sei que o que produz
crescimento espiritual e santidade muna igreja é a Bíblia, ensinada de forma
clara e com autoridade, aplicada pelo Espírito Santo à vida dos ouvintes. De passagem,
diria que não somos chamados para o sucesso, mas para a fidelidade. O bom
sucesso, os frutos, de nosso trabalho depende de Deus. E o Espírito quem faz a
obra crescer. Técnicas e métodos são instrumentos, apenas.
A pressão
do líder é algo que se observa quando líderes que são mais expressivos, ou mais
falantes ou que melhor se articulam em bastidores, acabam se impondo como o
padrão para os demais. Os batistas sempre se caracterizaram por divergências.
Desde o início, com os chamados batistas gerais e os batistas particulares. A
Aliança Batista Mundial reúne grupos com práticas diferentes, dentro de seu
bojo. A tendência à uniformização, muitas vezes de acordo com a cabeça de uma
minoria, em busca um procedimento padrão, coloca-nos na situação de termos
dominantes entre nós, e assim, de chegarmos a outra regra de fé e de prática, a
obediência a algumas pessoas e à prática dessas pessoas. O Novo Testamento é
genérico em muito da eclesiologia que nele aparece. Alguns querem
particularizar e impor seu estilo. Isto me parece problemático. A falta de
aceitação de pensamento diferentes traz mais "rachas" do que a
diversidade de opinião. Nenhum líder nosso, por maior que seja sua igreja, por
mais capacitado intelectualmente que seja, e por maior que seja seu cargo na
estrutura denominacional, está apto para determinar o que cremos. O que cremos
foi razoavelmente solidificado nestes 400 anos de história batista no mundo.
A nova
hermenêutica é o aspecto mais preocupante no uso das Escrituras. Com a Igreja Católica, a fonte
de autoridade era a Igreja, subsidiada pela Tradição e pelo Magistério. Lutero
tirou a fonte de autoridade da Igreja e a colocou na Bíblia. O movimento
pentecostal a tirou da Bíblia e colocou na experiência. O movimento
neopentecostal está construindo outro eixo hermenêutico: a de gurus, de pessoas
com mais experiência com Deus. É o início de um retorno ao eixo católico. Isto
vai trazer conseqüências danosas para o evangelho, mais à frente, embora já esteja
trazendo agora. É que nesta postura, a Bíblia fica subordinada às declarações
humanas. Em vez de reger a teologia da igreja, ela passa a ser explicada pela
teologia da igreja. Esta nova hermenêutica é muito perigosa porque além de
mudança de eixo mudou também o critério de interpretação. No protestantismo
histórico e entre os evangélicos históricos, o critério de interpretação da
Bíblia sempre foi a pessoa de Cristo, com base no conceito de revelação
progressiva, que depreendemos bem de Hebreus 1.1-2. É o Novo Testamento que
interpreta o Antigo e este não pode se sobrepor ao Novo. Hoje o critério de
interpretação é o Espírito Santo. Um pastor neopentecostal dizia pela
televisão que "Jesus é o canal para nos trazer o Espírito Santo".
Antes era o Espírito Santo quem nos levava a Cristo. Agora Cristo nos traz o
Espírito. Cristo é o meio para se chegar ao Espírito, que é o final. A Igreja
Universal do Reino de Deus, por exemplo, não tem a cruz como seu símbolo, mas
uma pomba, significando o Espírito Santo. É a chamada "onda do
Espírito", que é, na realidade, uma pretensão à nova revelação É aqui que
reside o perigo maior: o Espírito Santo é um eufemismo para as impressões
pessoais do intérprete, que se tornam uma palavra inspirada. O que ele acha é
revelação do Espírito. Assim, a Bíblia deixa de ser normativa e passa a ser
indicativa. A normativa é a palavra do líder. O uso que as campanhas da
Universal fazem das Escrituras, particularmente o uso do Antigo Testamento,
mostra isso. A Bíblia apenas legitima as práticas do grupo, em vez de regê-las.
E o Espírito Santo se tornou propriedade dos iluminados da seita. O Espírito
Santo fala quando alguém, líder, "sentiu" uma nova verdade. Na nova
hermenêutica, o sentir vale mais que o que é, o que está escrito. Jesus é uma
pessoa histórica, objetiva, e seu ensino está na Bíblia. O Espírito Santo não é
uma pessoa histórica, embora seja uma pessoa, e seu ensino passa a ser o que as
pessoas sentem. Isto cria um clero, pessoas especiais, com revelações do
Espírito. Há, então, um clero que determina o credo e a prática para o povo.
Tanto que muitos desses grupos não ligam a mínima para educação religiosa, EBD,
etc. Basta-lhes um salão para realizar seus cultos, carregados de emoção e
muitos deles manipuladores das pessoas.
Esta nova
hermenêutica tem privilegiado o domínio de revelações, visões e sonhos sobre a
Bíblia. Uma pastora neopentecostal dizia, pela televisão, ter um mapeamento das
potestades demoníacas. Quem era o demônio regente de cada território, os
chamados demônios territoriais. Quando perguntada sobre onde conseguiu isto,
disse com toda simplicidade que foi de demônios postos sob juramento. Não sei
se um demônio mesmo jurando estará dizendo a verdade. Mas me impressiona que
uma pessoa diga com todas as letras que está ensinando uma revelação de
demônios e as pessoas que a ouvem ainda exultem com isso.
Nossa
identidade batista parte daqui: zelo pelas Escrituras Nada de mais nada de
menos. Quando ela fala, nós falamos. Quando ela cala, nós calamos. Todo
material que produzimos, toda e qualquer postura edesiológica, devem ser
avaliados por ela. Não é se deu certo em algum lugar ou se está enchendo alguma
igreja em algum lugar, ou se foi proferida por algum teólogo ou pastor muito
consagrado e zeloso pela doutrina, mas se não colide com a Bíblia. Aliás, todas
as heresias nasceram de pessoas muito espirituais e zelosas. Não de mundanos. É
o que Paulo disse dos judeus: "têm zelo por Deus, mas não com
entendimento". O entendimento das Escrituras é fundamental para uma denominação
sadia.
Isaltino Gomes Coelho Filho, pastor batista e
escritor.