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Estudo 2
A PRIMEIRA IGREJA BATISTA
A organização da igreja pioneira de toda a
história batista
Hoje o
número de igrejas que são conhecidas como PIB, ou seja, Primeira Igreja
Batista, é inconcebível. Só que cada uma delas acrescenta o local, tendo em
vista o nosso princípio de igreja congregacional e independente, que dá
respaldo ao uso dessa sigla. Entretanto, aqui nos propomos a mencionar
historicamente a primeira igreja batista, da qual houve continuidade até os
dias presentes.
ANTECEDENTES
A Reforma
Anglicana iniciou na década de 1534, com motivos muito pessoais do rei
Henrique VIII, mas se destacando a atuação de Tomás Cromwell e, principalmente,
Tomás Crammer. Na ocasião, as reformas Luterana e Calvinista já estavam em
processo, além da Reforma Radical, incluindo os anabatistas. Estes foram
fortemente prejudicados com um movimento milenarista que partiu para o
fanatismo e a violência, pelo que praticamente todos os anabatistas ficaram em
perigo de serem identificados com esse grupo. Foi aí que surgiu na década de
1540, a figura de Menno Simões, que vencido pelo exemplo de vida e coragem de
alguns anabatistas, resolveu criar um grupo semelhante. Mas para mostrar que
nada tinha a ver com os milenaristas acima referidos, adotou o pacifismo,
condenando qualquer atividade militar assim como a participação do cristão em
qualquer função pública.
ANGLICANOS,
PURITANOS E SEPARATISTAS
Henrique
VIII teve três filhos de diferentes esposas: Maria, Elizabeth e Eduardo. Ao
morrer, foi substituído pelo único filho varão, que ainda era uma criança,
passando a Inglaterra a ser dirigida por regentes. Estes mantiveram nos cinco
anos de Governo a posição protestante, quando surgiram, com forte atuação de
Tomás Crammer, o Livro de oração comum, que se tornou padrão litúrgico da
Igreja, e os 42 artigos de religião, que depois foram reduzidos a 39,
tornando-se o padrão doutrinário dos anglicanos. Após cinco anos como rei,
Eduardo morreu antes de completar 16 anos e foi substituído por sua irmã mais
velha, Maria, que tinha ódio ao protestantismo, pelo que ela decidiu que a
Inglaterra retornaria ao sistema católico romano. No seu período houve muito
morticínio, pelo que a rainha recebeu a alcunha de Maria, a Sanguinária, e
muitos protestantes fugiram para o continente europeu, onde a teologia
calvinista era predominante. Depois de mais cinco anos, Maria morreu e foi
substituída por sua irmã, Elizabeth, que orientou a volta ao protestantismo,
fazendo valer o Livro de oração comum e os 39 artigos de religião. No governo
de Elizabeth, que se estendeu por 45 anos, o anglicanismo se firmou e houve
forte perseguição aos que não adotaram a uniformidade do culto e das doutrinas
segundo orientação da Igreja Anglicana. Foi nesse período que surgiram os
puritanos, I dentre os que retornaram do continente europeu. Lá eles haviam
adotado a teologia e a eclesiologia calvinista. Os puritanos lutaram pela
"purificação" da nova Igreja da Inglaterra, tentando nela permanecer
e retirar as superstições e práticas não escriturísticas provindas da Igreja
Romana. Dentre os puritanos, surgiram os separatistas ingleses, que resolveram
sair da Igreja Oficial. Eles também foram chamados independentes, por aceitarem
o tipo de igreja congregacional e não presbiteriano. Tanto puritanos como
separatistas foram fortemente perseguidos durante o Governo de Elizabeth, que
ao morrer, teve Tiago I como seu sucessor. Este manteve o mesmo rigor de
perseguição religiosa usado no período elizabetano.
JOÃO
SMYTH, TOMÁS HELWYS E A PRIMEIRA IGREJA BATISTA
João
Smyth, que tinha formação teológica em Cambridge, foi pastor anglicano entre
1600 e 1603, tornando-se então puritano e, mais tarde, em 1606, separatista.
Teve no advogado Tomás Helwys um auxiliar competente na nova igreja separatista
por ele iniciada. Com a grande perseguição encetada
por Tiago I, e após muita discussão na congregação, houve a resolução de
emigrarem para a Holanda, onde havia liberdade para os protestantes adorarem a
Deus de acordo com a consciência de cada um. Para a viagem até Amsterdã, que
ocorreu entre 1607 e 1608, a ajuda financeira de Tomás Helwys foi fundamental.
Ali, Smyth, que era profundo estudioso das línguas originais da Bíblia,
percebeu que o batismo infantil não era escriturístico. Então chegou à conclusão
de que o batismo que ele e sua congregação haviam recebido nas igrejas
paroquiais da Inglaterra não tinha valor. Assim é que, após convencer os
membros da congregação, ele e Helwys dissolveram a igreja anterior e iniciaram
uma nova igreja pelo batismo. Para isso, Smyth batizou a si mesmo e depois a
Helwys, e os dois batizaram os demais componentes da congregação enquanto
professavam a sua fé, surgindo a primeira igreja batista na história. Isso
ocorreu em 1609, portanto há 400 anos.
SEPARAÇÁO
ENTRE SMYTH E HELWYS
Em
Amsterdã já havia menonitas. Surgiu então o questionamento: por que a Igreja de
Smyth não se uniu aos menonitas que existiam ali, uma vez que ambos os grupos
tinham pontos de vista comuns sobre batismo de crentes? A resposta foi dada
mais tarde por Helwys: eles não concordavam com a cristologia docética aceita
pelos menonitas, que negava a humanidade de Cristo, nem com sua teoria
sucessionista, que afirmava a existência deles desde o primeiro século. Assim,
diferiam em doutrinas e práticas, de acordo com a consciência de seus líderes.
O desejo era reconstruir uma igreja de acordo com os padrões do Novo
Testamento, através do batismo de todos os crentes professos. Até a forma de
batismo era secundária, pois inicialmente usaram afusão, só adotando a imersão
a partir da década de 1640.
O fato de
Smyth batizar a si mesmo foi duramente criticado pelos seus adversários,
levando-o a voltar atrás e pedir filiação aos menonitas para ele e a maior
parte da igreja (32 pessoas). Essa filiação não lhe foi concedida, mas seus
seguidores a receberam após sua morte. Um grupo menor permaneceu batista, sob a
liderança de Tomás Helwys, que se tornou pastor. Uma séria controvérsia foi
desenvolvida entre Smyth e Helwys, quando este acusou seu ex-companheiro de ter
blasfemado contra o Espírito Santo, uma vez que duvidou de sua orientação para
se batizar e formar a nova igreja. Por outro lado, Helwys foi criticado pelo
fato de ter com ele um grupo tão pequeno. A sua resposta foi citar o texto em
Zacarias 4.10: "Quem despreza o dia das coisas pequenas?" Essas
palavras proféticas pareciam antever que o pequeno grupo de 10 ou 12 que estava
com Helwys se transformaria na denominação batista que, hoje, no mundo inteiro,
agrega cerca de 100 milhões de pessoas.
O
PRINCÍPIO DE LIBERDADE RELIGIOSA
Depois da
organização da primeira igreja batista, João Smyth escreveu várias confissões
de fé e, em uma delas apresentou o primeiro escrito nos tempos modernos a
defender completa liberdade religiosa, afirmando que o magistrado deve deixar
que a religião cristã seja livre, de acordo com a consciência de cada um. Por
sua vez, Tomás Helwys também escreveu vários trabalhos e, finalmente, o livro
intitulado Breve declaração do mistério da iniqüidade, publicado em 1612, em
que defende liberdade religiosa para todos, mesmo para os tiranos e os
católicos romanos. Ele declarou nesta obra a disposição de retornar para a
Inglaterra, pois cristãos não devem fugir de perseguição, mesmo que tenham de
morrer por Cristo e sua verdade. Assim, o grupo retornou e se fixou em
Spitafields, nas proximidades de Londres, no mesmo ano de 1612. Em uma das
cópias do referido livro, há uma dedicatória ao rei Tiago I, onde Helwys
afirma que o rei é mortal e não Deus, pelo que não tem poder sobre as almas
imortais de seus súditos. Tal declaração, plenamente de acordo com os ideais de
liberdade e democracia dos nossos dias, foi muito ousada na ocasião, a ponto de
levá-lo à prisão por quatro anos, onde morreu em 1616.
A Igreja,
iniciada por Smyth e mantida em seus princípios originais por Helwys, foi a
primeira igreja batista da qual há continuidade até os dias presentes. Assim
como os Católicos Romanos, os Puritanos, os Separatistas e mesmo os Menonitas
tinham ou têm as suas peculiaridades, o grupo que permaneceu com Helwys manteve
a sua própria identidade, pelo que passou a ser chamado de batista. Herdou o
apego a uma vida santa dos puritanos e o tipo de igreja congregacional dos
separatistas. O contato com os menonitas, únicos preservadores da tradição
anabatista do século XVI e que ainda hoje existem, influenciou a adoção da
teologia arminiana, pelo que os membros da igreja passaram a ser chamados de
Batistas Gerais, já que defendiam a expiação universal de Cristo. O
fundamental, contudo, era a convicção de que o grupo foi iniciado pela
providência de Deus para defender a verdade bíblica, mesmo com a própria vida
se necessário fosse, devendo conduzir ao batismo apenas os que crêem, conforme
a expressão de Felipe ao eunuco, quando este questionou sobre o que impedia que
ele fosse batizado. A resposta foi: "É lícito, se crês de todo o
coração" (At 8.37a). A Primeira Igreja Batista iniciada há 400 anos em
Amsterdã, hoje é representada por 100 milhões de batistas espalhados no mundo
inteiro, proclamando com muito amor e convicção a mensagem do evangelho de
Cristo. "A palavra do Senhor permanece para sempre; e esta é apalavra que
entre vós tem sido evangelizada" (1Pe.1:25)
Zaqueu Moreira de Oliveira, pastor, professor
universitário e escritor. Bacharel e mestre em Teologia, especialista em
educação, doutor (Ph.D.) em História. Presidente Emérito da Convenção Batista de
Pernambuco e membro efetivo da Academia Evangélica de Letras do Brasil, rendo
escrito trabalhos em livros e revistas especializados " do Brasil e
exterior, e 15 livros nas áreas de História. Teologia Bíblica, Pastoral e
Antropologia.