........
Estudo 5
LIBERDADE PLENA INCLUSIVE PARA BATIZAR-SE
Os batistas, a livre expressão e o batismo
consciente de crentes
Liberdade
de opinião ou liberdade de expressão é um outro apanágio dos batistas. É um
legado nosso aos demais grupos evangélicos. A monarquia católica ou a teocracia
protestante nunca poderiam predominar em meio à consciência batista. A
tentativa de se formar uma Genebra calvinista nunca vingaria entre nós. Devemos
isto, em termos de ação, a um jovem pastor de 24 anos, Roger Williams. Ele
começou seu pastorado em Boston, em 1631. Não demorou para desagradar as
autoridades locais. Ele recusava o direito dos magistrados em decretarem
penalidades jurídicas por infrações religiosas. Williams achava que a Igreja e
o Estado deviam ser absolutamente distintos, o que aliás, os separatistas
ingleses que originaram a primeira igreja batista, com este nome, em 1609, na
Holanda, já defendiam. Ele não criou o princípio, mas levou-o às últimas
conseqüências. Sobre separação entre Igreja e Estado falaremos mais à frente.
Mas RogerWilliams defendia bem mais que isso. Defendia a absoluta liberdade
religiosa. O Estado não tem direito de impor sua fé aos seus súditos. E as
pessoas têm o direito de escolher a sua fé e até mesmo não professar fé alguma.
Cada pessoa é responsável por sua vida e por suas decisões. O homem não pode
ser tutelado nem pela Igreja nem pelo Estado. Por isso também que nunca podemos
apoiar ditadura alguma. E toda e qualquer intolerância, seja racial, social,
religiosa, ideológica ou política deve ser veementemente rejeitada por nós.
Tendo
sido expulso de Boston, num inverno rigoroso, mas tendo sido salvo pelos
índios, Roger Williams fundou uma pequena colônia, na Baía de Nanag-ansett,
com algumas de suas ex-ovelhas da Igreja Episcopal, que o acompanharam. No
documento de fundação da colônia ficaram definidas como postulados a tolerância
religiosa e a liberdade de opinião. Isto é motivo de satisfação para nós, ao
mesmo tempo que se torna um lembrete sobre como devemos proceder. A primeira
comunidade que estabeleceu como princípio a liberdade religiosa absoluta foi
findada por um homem que veio a se tornar batista e que, em 1639, fundou a
primeira igreja batista em solo americano. A liberdade de expressão é um
fundamento muito caro aos batistas. Por isso me assusto muito, e até mesmo
tenho me retraído em envolvimento com estrutura denominacional por causa disto,
quando vejo pessoas julgando que somente seu grupo possui o verdadeiro espírito
batista e age para impor o que julga ortodoxia aos demais. A busca de clones
não é compatível com o caráter batista. Aliás, a riqueza da Igreja de Cristo
está na sua diversidade. Isto se verifica até mesmo na chamada dos doze, feita
por Jesus. Eles eram pessoas diferentes. Pescadores, cobradores de impostos, um
possível guerrilheiro (se aceitarmos a tese de Oscar Cullman de que Judas
Iscariotes quer dizer "Judas, o homem do punhal"). Um
colaboracionista com Roma, o poder dominante, e um revolucionário, contra o
poder dominante, portanto. Mas ambos chamados e ambos dentro da perspectiva de
Jesus.
Esta
liberdade de opinião permite que a CBB, por exemplo, abrigue em seu meio
amilenistas, pré-milenistas, pré-milenistas dispensacionalistas e pósmilenistas.
Neste aspecto, ela guardou o princípio batista. Há outros grupos batistas que
exigem uma postura específica. Não é o nosso caso. Abrigamos diversas
tendências porque este ponto não é fundamental, mas secundário.
É preciso
também deixar algo claro aqui. Liberdade de expressão não significa uma babel
teológica, mas sim que onde há pontos inegociáveis não há nada para se
negociar. E que onde há pontos não definidos, mantém-se uma postura de
respeito. Mas ela é uma conseqüencia inevitável do fato de que não temos um
papa ou alguém "infalível", que todos temos o Espírito Santo, que
somos todos falíveis, também. É um desdobramento do sacerdócio universal de
todos os salvos. Se todos temos acesso a Deus e se todos temos o Espírito
Santo, nenhum de nós é mais conectado a Deus do que os demais, para falar em
seu nome aos demais. Não temos gurus entre nós. Nem papas. O autoritarismo
teológico é uma agressão em si, pelo que significa, e é, também, unta agressão
à nossa história.
É óbvio
que isto faz com que surjam muitas divergências. Aliás, o capítulo X do livro
de Faircloth e Torbert, Esboço da História dos Baptistas, se intitula
"Livres Para Divergir". É um capítulo dedicado às divergências
históricas entre os batistas, em seus vários grupos. Mas como alguém já disse,
um bom princípio a se observar aqui é: "Nas pequenas coisas, diversidade;
nas questões capitais, unidade; em todas as coisas, caridade".
Divergências no cristianismo aparecem cedo, como vemos em Atos 15, e nas cartas
de Paulo, todas elas escritas para resolver problemas na vida das igrejas
(talvez as exceções sejam Efésios e Filipenses). Mas é uma atitude cristã saber
viver com divergências. E é, também, uma marca do espírito batista.
O BATISMO
CONSCIENTE DE CRENTES
A idéia de que o batismo tinha poder salvífico
se arraigou na Igreja cristã muito lentamente. Parece que pelo quarto século, o
sacramentalismo acabou impondo a ceia e o batismo como sacramentos e como
elementos obrigatórios, a serem ministrados para trazerem graça espiritual. O
batismo passou a ser algo praticado para se alcançar a salvação. Mas já desde o
segundo século que a prática de batizar crianças se institucionalizara na
Igreja. Segundo O Didaquê, obra ainda do primeiro século, a igreja primitiva
usava a imersão e a afusão como métodos de batismo. Tudo leva a crer que as
crianças (não no Novo Testamento, pois não temos notícia de batismo infantil
neste período) eram submetidas à afusão e, mais tarde, à aspersão.
O
entendimento do batismo como elemento transmissor de graça (sacramento) deve
nos alertar. Com muita facilidade as pessoas
transferem para objetos, gestos e ritos, alguns poderes especiais (no seu
entendimento). Muitas vezes sacramentamos formas e ritos. Já ouvi gente dizer
que o Cantor Cristão é inspirado e que nunca deveríamos ter um novo hinário,
que não é inspirado. Inspirado, para nós, é só a Bíblia. E nenhum material pode
ser visto como algo sagrado. Isto traz problemas, pelos desdobramentos
posteriores.
A grande
luta dos separatistas se deu nesta área: o esforço para se ter uma igreja
composta apenas de crentes regenerados. A pessoa só podia ser membro da igreja
pelo batismo e este só podia ser aplicado a pessoas conscientes do que estavam
fazendo. Ninguém podia impor o batismo a outro. E a única motivação é a
conversão a Jesus. Batizei uma pessoa que fora batizada na Universal. Antes de
fazê-lo, quando questionei o porquê de seu batismo, a resposta veio mais ou
menos nestes termos: "Eu recebi uma bênção lá na Igreja. Aí me disseram
que se eu quisesse continuar sendo abençoada eu deveria ser da Igreja e para
isso teria que me batizar. Então fui batizada para continuar sendo
abençoada". Não é esta a motivação para o batismo. A motivação é a fé em
Jesus. Os textos bíblicos são claros: "quem crer e for batizado" (Mc
16.16) e "Que impede que eu seja batizado? É licito se crês." (At
8.36-37).
A adoção
de uma determinada Igreja pelo poder civil levou a um ingresso na Igreja, pelo
batismo, de uma quantidade enorme de pessoas sem nenhuma convicção religiosa.
Desde que Constantino adotou o cristianismo isto começou a acontecer. A Igreja
se tornou morada de incrédulos e não de regenerados. Mas devidamente submetidos
a um ritual chamado batismo.
Este é um
problema quando as linhas entre o poder civil e a Igreja são tênues ou são
apagadas.
A
concepção mágica do batismo também produziu muitos membros da igreja
incrédulos. Temos informes da crise teológica de alguns jesuítas que vieram
como missionários para o Brasil. Acreditavam que batizando o índio, este se
converteria, pois o batismo tinha um poder sacramental, mágico-mítico. Mas
batizava-se o índio e este continuava antropófago e idólatra. O batismo não
regenera. Apenas testemunha de uma regeneração que deve ter sucedido. O batismo
consciente de adultos impede isto e faz com que a Igreja seja composta de
convertidos. Se hoje, batizando apenas adultos, temos uma quantidade enorme de
gente encostada em nosso meio, imagine-se batizando-se bebês recém-nascidos e
considerando-os membros da Igreja!
Esta insistência no batismo somente de crentes
fez com que o rótulo de "anabatistas" fosse aplicado a muita gente
que nada em comum tinha com os anabatistas. E algumas pessoas o aplicam aos
primeiros batistas. Mas este era um termo genérico, como é hoje o termo
"evangélico" que para o nossa "bem informada" mídia engloba
todo mundo que não seja católico. Mas os anabatistas remontam a 1490, com
Conrado Grebel tido como seu fundador, sendo ele um ex-cooperador de Zuwinglio.
Discordou de Zuwínglio por não aceitar o batismo infantil. E com eles, os
anabatistas, os batistas tinham em comum o batismo apenas de regenerados, uma
Igreja composta apenas de regenerados, a supremacia das Escrituras e a
liberdade civil e religiosa. Mas discordavam deles no seu pacifismo radical,
sua omissão como cidadãos (alguns anabatistas viam o Estado como demoníaco) e
sua proibição de juramentos, inclusive em tribunais, pontos de vista teológicos
sobre encarnação e hipnose da alma e a necessidade da sucessão apostólica para
o batismo. Mas voltemos à visão sobre o batismo consciente de crentes.
Preocupa-me
o fato de que o batismo tem se tornado em alguns segmentos nossos um ato
social. Muita gente se batiza porque está freqüentando a igreja há muito tempo,
porque a família toda é batizada, porque é o único quesito que lhe falta para
ser crente, pois é freqüentador assíduo etc. A única razão válida para o
batismo é a fé em Jesus Cristo como Salvador e o desejo de testemunhar deste
fato. Se não isto não aconteceu, houve um banho, mas não batismo. Nossa
identidade batista deve preservar isto com vigor: a porta de entrada na Igreja
é o batismo e este é ministrado para quem crê no Senhor Jesus. A Igreja existe
em função de Jesus Cristo.
Neste
aspecto do batismo, os batistas devem algo aos menonitas. De 1609 até 1638, os
batistas praticavam apenas a afusáo. Foi no contato com os menonitas que
aprenderam a praticar o batismo por imersão Em 1638, a Igreja de Spilsbury
declarou que só aceitaria o batismo por imersão Em 1644, sete igrejas batistas
assumiram uma declaração doutrinária, chamada de "Confissão de
Londres", em que a forma de batismo era por imersão, aceitando a
declaração da Igreja de Spilsbury. Desde então, esta vem sendo a prática
dominante em nosso meio.
Isaltino Gomes Coelho Filho, pastor batista e
escritor.